O Diálogo como
forma escrita e a Dialética em Platão
Platão discutiu conceitos que abordam o diálogo como
forma escrita. Além disso, adotou a dialética (que ajuda a clarear pontos e
elevar o entendimento) na obra e vida.
Durante vinte e quatro séculos, muito se falou sobre
Platão. É o autor considerado inaugurador da “metafísica” Ocidental. Várias
interpretações conflitantes, e até mesmo mutuamente excludentes, predominaram
sobre certo modo de lê-lo e acabaram por obscurecer seu pensamento vivaz e
robusto, características da força artística da Grécia antiga.
Incompreensível, aquilo que se convencionou chamar de
platonismo parece, ainda hoje, corresponder a uma espécie de hipótese ad hoc,
ou seja, salvar uma teoria ou continuar desenvolvendo-a sobre um determinado
paradigma.
Em sua obra, os Diálogos, há a encenação dramática
entre vários discursos, que se pretendem verdadeiros: sejam os discursos
relativistas dos sofistas, sejam os filosóficos ou a procura de definições de
Sócrates (bem como também daqueles que expõem com mais ou menos simplicidade
e/ou dificuldades aquilo que pensam), há uma trama sensível de posições que
entram em combate, em conflito direto. Mostração,
demonstração e refutação; alegorias, mitos, matemática, imagética, são formas
discursivas que tentam fazer ver algo, fazer aparecer algo.
Entretanto, esse algo nunca é dito diretamente da boca
de Platão. Ele, enquanto autor dos diálogos, não se imiscui na cena dramática
ou quando o faz é de forma irrelevante para o contexto. É Sócrates ou Górgias,
ou Cálicles, ou Teeteto, ou o Estrangeiro, etc., que falam. Todos correspondem
a uma intenção determinada do autor.
Devemos, portanto, fazer uma suspensão metodológica da
tradição platônica para ler os diálogos com maior clareza e desta procurar
saber se é possível ou não extrair uma filosofia propriamente dita platônica,
concebendo Platão primeiro como autor para saber se pode ser também um filósofo
e em que condições isto se dá.
Compreender qual a intenção de Platão em escrever na
forma dialógica é buscar, a partir do estabelecimento das temporalidades, léxis
(o que é dito), nóesis (o que é compreendido), gênesis (o momento histórico, a
vida, etc., do autor) e poíesis (a cronologia das obras) e verificar, nesse
ordenamento, como o gênesis influencia e determina a poíesis. Mostrar que essa
intenção evidencia o quanto Platão pode ter herdado de Sócrates e ao mesmo
tempo se afastado do “mestre”, pretendendo fazer do diálogo uma forma artística
que concorresse com as outras formas de representar a realidade na Grécia
antiga. Significa que Platão pretende fazer um bom uso da imitação e não
completamente desprezá-la.
Assim, como no diálogo há vários discursos, a
linguagem é objeto de diferentes valorações e pode ser tomada como sendo o que
não é, como valendo mais do que vale. E é essa a crítica de Sócrates n’A
República, livros II-III. É preciso, pois, uma apropriação sempre crítica da
imediatidade do aparecer e não a sua exclusão sumária. Então, o desafio dos diálogos
seria o de pensar o que é e o que não é e de ser capaz de dizê-los
discursivamente. Podemos, assim, listar alguns objetivos específicos na
intenção do autor em escrever na forma dialógica. São eles:
Mostrar que Platão visa concorrer com outras formas artísticas
(discursivas, outros modos de expressão do Lógos), porque mesmo que não possua
uma doutrina fixa, ele acredita na possibilidade de inteligibilidade
(entendimento e discernimento), tendo como pressuposto que o fim da comunicação
é a persuasão.
Por isso, pretende, ao expressar a odisseia socrática e
contrapô-la a vários discursos, promover um mínimo de postura a quem deseja
conhecer algo, incentivando o leitor a buscar o conhecimento por si mesmo;
Platão adere ao método dialético. É o único dogma que
se pode extrair tanto da sua vida quanto da sua obra. Não é nem cético, nem
dogmático, mas filósofo, isto é, busca a verdade, consciente da impossibilidade
de possuí-la plenamente. Aqui, mesmo que o autor não se imiscua na
dramaticidade dos diálogos, há pontos de sua vida pessoal que permitem se
aproximar de algumas opiniões dos personagens;
A relação Éros e Lógos, inscrita nos diálogos, poderia
servir de metodologia interna? A filosofia, no fim da odisseia, não compreende
a necessidade de um saber forte, mas também reconhece as dificuldades ou até
impossibilidades de o atingir.
Então, o que permanece na busca? A dialética,
como condição de existência para quem deseja o saber, ajuda a clarear pontos e
elevar o entendimento, ao menos de forma temporária. Jamais significa que a
chamada teoria das Ideias ou Formas corresponda a uma doutrina fixa. Pode-se
pensar que seria uma hipótese, socrática, que não deu certo ou que esclareceu
pontos, entrou em dificuldades e exigiu superação. Por isso, a necessidade da persuasão,
da linguagem, do diálogo!
O modo como o aparecer é inserido e não excluído no
pensamento socrático. O que é criticável na arte, segundo os textos, não é a
sua insuficiência ontológica, inferioridade da aparência com relação à
essência. Não há mundo das ideias diferente do mundo das coisas. O que ocorre é
a maior ou menor inteligibilidade sobre aquilo que aparece. Observe: o que faz
uma coisa ser mais real do que outra? Isso não está explícito nos diálogos, não
pode ser afirmado categoricamente.
Então, pode-se dizer que as nuances que perfazem essa
problemática são mais bem compreendidas se ela for organizada de modo a fazer
com que a nóesis corresponda corretamente com a léxis e dessas possa se abrir o
caminho para a unificação dialética das diversas temporalidades e, só assim,
entender o real sentido da filosofia platônica.
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