Rock e Indústria Cultural
O rock perdeu
sua “originalidade” por conta do interesse comercial?
No início do
século XX, Theodor W. Adorno – um dos mais proeminentes pensadores da Escola de
Frankfurt – dedicou alguns dos seus textos para refletir sobre um fenômeno da
chamada indústria cultural. Esse conceito, segundo o pensador, consistia em
estabelecer quais as implicações do processo de mercantilização das práticas
culturais. Segundo ele, desde o século XIX, a cultura passou a ser aviltada
pelo interesse do sistema capitalista.
Para
exemplificar seu raciocínio, Adorno buscou, principalmente na música, um
exemplo dos problemas que implicariam na comercialização da cultura. Em seu
famoso texto “O fetichismo na música e a regressão da audição”, o autor vai
demonstrando quais seriam os problemas que a reprodução da música por meio do
disco e do rádio traria à cultura. Além disso, fazendo uma análise musical,
tomando o jazz como principal referência, o autor vai demonstrando como
determinados padrões de repetição estética empobreceriam o gosto musical das
pessoas.
Em certa
medida, as críticas deste pensador alemão em muito definem a situação da
cultura e, por vezes, parece falar da situação contemporânea. Sem dúvida, nos
dias de hoje, muitas pessoas moldam seu gosto musical por meio de padrões
estéticos e simbólicos oferecidos pelos meios de comunicação. Ao mesmo tempo,
as gravadoras cada vez mais se preocupam em vender do que privilegiar o
processo criativo livre dos artistas.
As ideias de
Adorno, elaboradas em 1938, estabeleceram uma visão apocalíptica sobre o futuro
da música cooptada pela indústria cultural. No entanto, o surgimento de um novo
estilo musical nos Estados Unidos viria a contrapor-se às teorias elaboradas
pelo pensador alemão. O rock’n roll foi um estilo que surgiu entre a população
jovem estabelecendo uma leitura das contribuições de três gêneros populares
anteriores: o country, o blues e o jazz.
Utilizando as
mesmas formas “limitadas” do fazer musical instituído no início do século XX, o
rock utilizava de ritmos fortemente sincopados para falar sobre novas
concepções de vida, amor e mundo. Mesmo em seus primórdios, onde as letras
falavam do prazer de se dançar o rock ou situações românticas, podemos
reconhecer visões de mundo que demonstravam as mudanças de valor que marcaram
essa época. Nesse sentido, podemos ver no rock uma manifestação cultural capaz
de pensar e refletir sobre o contexto de uma época.
Mesmo entre
os roqueiros de grande projeção comercial, podemos notar a presença de canções
onde a ingerência de uma indústria cultural parece ser falha. Já em 1956, a
canção “Long Tall Sally”, de Little Richard, falava sobre as aventuras sexuais
de um homem que buscava nas relações extraconjugais uma fuga das obrigações do
trabalho e do matrimônio.
Até mesmo nas
mais românticas canções de Elvis Presley, visto por muitos como um roqueiro
demasiadamente comportado, vemos uma interessante contradição. A imagem máscula
e atrativa do “rei do rock” fazia um interessante contraste com letras onde ele
se mostra completamente subordinado à figura feminina. Em canções como “Hard
Headed Woman”, “Teddy Bear” e “Devil in Disguise” temos claros exemplos da
situação apresentada.
Por fim,
poderíamos dizer que o rock morreu com a indústria cultural? Definitivamente, não.
Basta lembrar que no início dos anos de 1980, o AC/DC, uma das mais cultuadas
bandas do rock, detém a marca do segundo disco mais vendido da história. Caso
esse argumento não seja bastante, podemos vislumbrar como uma banda fabricada
como “The Monkeys” saiu para o trabalho independente e conseguiu boas vendagens
combinadas com letras críticas como “Pleasant Valley Sunday”.
Sem seguir
regras ou as exigências dos próprios fãs, esse gênero musical busca transgredir
padrões e não cultuar o passado ou os primórdios de um tempo áureo. Por isso, o
rock é uma forma de se conceber e não cristalizar a arte com criatividade e
inovação. Clássico, pesado, pop, hard ou punk, o rock ainda presa por uma
liberdade criativa que, talvez, nem mesmo Adorno pudesse ter imaginado.
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