Deserto do Irã é o lugar mais quente do mundo, revelam satélites
Nem no Rio de Janeiro, como gostamos de pensar, nem no Saara,
como sugere a marchinha de carnaval. O lugar mais quente da Terra é o Deserto
de Lut, no Irã, onde a temperatura chegou a 70,7 graus Celsius em 2005, segundo
medições da Nasa, divulgadas ontem por uma equipe da Universidade de Montana,
nos Estados Unidos. Localizado no leste do Irã, o Lut conta com uma paisagem
árida repleta de grandes colinas de fragmentos de rocha esculpidas pelo vento.
Sem aparelhos de ar condicionado ou qualquer proteção, um ser humano não
resistiria por um dia àquele ambiente.
Foi pensando
nessa limitação que o ecologista Steven Running resolveu desenvolver o estudo,
que será publicado pela "Journal of Geophysical Research". O
pesquisador lembra que há, distribuídas pelo planeta, 11.119 estações
cadastradas na Organização Meteorológica Mundial (OMM). Isso equivale a apenas
um ponto de temperatura monitorada a cada 13 mil quilômetros quadrados de
superfície terrestre. Fica evidente, portanto, a existência de regiões tão remotas
que são ignoradas por aquela instituição.
- Os desertos
quentes do planeta, como o Saara, Gobi (entre China e Mongólia) e Sonora (EUA e
México) são climaticamente rigorosos demais, e o acesso é tão remoto que uma
medição de rotina da temperatura, ou a manutenção de uma estação, são
impraticáveis - explica Running. - A maioria desses pontos é ignorada por
equipamentos instalados em solo. Os satélites, porém, nos dão uma visão
contínua da superfície, permitindo uma observação igual tanto destas áreas quanto
de outras mais alcançáveis.
Hemisfério Sul
menosprezado. Running usou um dispositivo em dois satélites: o Terra, lançado em
1999, e o Aqua, no espaço desde 2002. Conhecido como Modis, este instrumento
passa diariamente por toda a superfície da Terra e pode detectar a energia
infravermelha ali emitida. Assim, pode calcular as temperaturas e
"preencher as lacunas" entre as estações meteorológicas.
A equipe
americana fez as medições por sete anos, a partir de 2003; em cinco deles, o
Deserto de Lut foi o que registrou temperaturas mais altas. As exceções foram
2003, quando o título ficou para a província de Queensland, no norte da
Austrália (com 69,3º C) e 2008, período em que venceram os 66,8º C da Bacia de
Turfan, na China.
A influência
da cobertura vegetal sobre as medições ainda deve ser avaliada, segundo o
estudo; por isso florestas como a do Congo podem não ter marcado presença entre
os locais mais cálidos do planeta. No entanto, com o desmatamento à toda em
diversas regiões tropicais, aliado a mudanças climáticas e à intensificação de
eventos extremos, é provável que Lut, Queensland e Turfan tenham mais
concorrentes nas próximas décadas.
Ex-chefe da
Divisão de Satélites do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do
Inpe, Carlos Frederico de Angelis acredita que o levantamento da Universidade
de Montana pode ter minimizado a quentura de alguns endereços do Hemisfério Sul.
- Essa
distribuição dos locais mais quentes deve ser mais homogênea - avalia o
cientista, agora coordenador-geral de operações do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). - É fato que o nível
de observação dos satélites é muito reduzido no Hemisfério Sul. A maioria dos
países desenvolvidos, que tem condições financeiras e interesse para
desenvolver pesquisas, está no Norte. Além disso, há muito mais terras naquele
hemisfério do que no nosso.
Para a bióloga
Ana Elisa Silva, também do Cemaden, temperaturas como a registradas pelo estudo
"não são viáveis para a vida humana".
- Há
micro-organismos que se desenvolvem em locais extremos. Alguns fungos, por
exemplo, conseguem se viver a mais de 100 graus Celsius - destaca. - Nosso
corpo tem mecanismos para manter a temperatura interna, que é de 36 graus, mas
ele não conseguiria se ajustar naturalmente, sem recorrer a qualquer recurso, a
uma condição tão radical.
Ana Elisa
ressalta que há pessoas "que conseguem um controle do corpo incomum"
para se adequar a ambientes inóspitos, mas tratam-se de exceções. Algumas
estranham mesmo temperaturas bem mais amenas - a de um verão carioca, por
exemplo.
- Já estive no
Rio e aproveitei bastante, mas estava muito calor para mim, uma pessoa que vive
em um local onde neva - admite Running.
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