Aceitação
social e poder aquisitivo: as razões de quem bebe mais
Consumo
abusivo de álcool é maior entre os mais escolarizados. Para especialistas,
condição de vida é a explicação
Álcool na vida social: quem tem mais escolaridade bebe mais
Os
brasileiros que mais estudaram são aqueles que mais consomem álcool. Os dados
revelados pelo Ministério da Saúde na semana passada preocupam médicos e
psicólogos em todo o País. Para eles, o Brasil convive com índices perigosos e
não está dando a atenção devida a eles. A pesquisa Vigilância de Fatores de
Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel)
revelou que 20,1% da população com 12 anos ou mais de estudo bebem além do
recomendado. O estudo é realizado anualmente.
Para o
ministério, a ingestão, em uma mesma ocasião, de cinco ou mais doses de bebida,
para homens, e quatro ou mais, para mulheres, é considerada excessiva. Os
homens lideram as estatísticas do consumo abusivo de álcool: 29,2% entre os
mais instruídos e 25,5% entre os menos escolarizados (menos de oito anos de
estudo). Na opinião dos especialistas, a escolaridade está ligada ao poder
aquisitivo. Ter dinheiro para gastar com bebidas alcoólicas, segundo eles,
determina a grande quantidade de pessoas que consomem mais álcool do que
deveriam.
“O poder
aquisitivo é relevante. Pressupõe-se que o jovem mais escolarizado tem mais
dinheiro para gastar com bebida”, ressalta Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra e
coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus em Porto
Alegre. Os jovens são os que mais consomem bebida alcoólica de forma excessiva,
de acordo com os dados do Ministério. Na faixa etária entre 18 e 24 anos, 20,5%
da população admite beber além da conta. O número sobe um pouquinho entre os
brasileiros de 25 a 34 anos: 20,7%.
Maria de
Fátima Sudbrack, professora titular do Departamento de Psicologia Clínica da
Universidade de Brasília (UnB) especialista em estudos e atenção à dependência
química, diz que os dados desmistificam a ideia de que o alcoolismo é “doença
de pobre”. “Quem tem mais dinheiro consome tudo mais que os outros. E esse é um
produto glamourizado, cujo padrão de uso é o pior possível no País: o álcool é
usado para ‘matar a sede’, fora da alimentação”, analisa.
Permissividade.
A diretora de Análise de Situação em Saúde do Ministério da Saúde,
Deborah Malta, acredita que o comportamento faz parte da fase de descobertas
dos jovens. Há muitas festas e encontros com amigos, especialmente para os que
entram no ensino superior.
Maria
Clara Rodrigues, 19 anos, e Janielle Custódio, 19 anos, alunas do curso de
engenharia de produção da UnB, admitem que, se quiserem, vão a festinhas
regadas a bebida alcoólica todos os dias. Elas frequentam esse tipo de
celebração duas vezes por mês.
“Eu bebo
até quando o dinheiro acaba, mas se perceber que estou me alterando, já paro”,
conta Maria Clara. As duas dizem que só começaram a beber depois dos 18 anos,
mas Janielle admite que os pais ofereciam uma dose ou outra em datas especiais.
“A nossa sociedade é muito licenciosa e
condescendente, inclusive pais e mães, com a bebida entre jovens e
adolescentes. O acesso a ela é muito fácil, o que torna maior o uso e o abuso.
A vida social externa se intensificou muito e as baladas são embaladas por
álcool”, critica Carlos Salgado, conselheiro da Associação Brasileira de Estudo
sobre Álcool e Drogas (Abead).
Também
integrante da Abead, Sérgio Ramos é ainda mais enfático nas críticas às
políticas de comercialização de bebidas no Brasil. “O que estamos assistindo é
a grave consequência da irresponsabilidade das nossas autoridades, que se
submetem aos interesses da indústria do álcool para prejuízo total da
população”, afirma.
Para o
psiquiatra, as propagandas de bebidas alcoólicas deveriam ser proibidas. Além
disso, a comercialização deveria ser mais fiscalizada, para que menores de
idade não tivessem fácil acesso a elas. Deborah Malta acredita que essas
políticas estão mais intensas.
“Temos
grande preocupação em relação a isso, porque o consumo abusivo de álcool está
associado a outras práticas de risco, como a direção após a ingestão de bebida,
a violência, o sexo inseguro, fora a intoxicação alcoólica. Mas as medidas
legislativas têm intensificado o combate a essas práticas”, avalia a diretora.
Iniciação
precoce. Sérgio Ramos reforça que o consumo de
álcool começa cada vez mais cedo. Ele acaba de concluir uma pesquisa em Porto
Alegre (RS) sobre o tema, que ainda não foi publicada, mas mostra que os
primeiros contatos dos jovens com bebida alcoólica se dá aos 12 anos. “Uma em
cada duas crianças que começam a beber antes dos 13 anos vai se transformar em
alcoolista. Fora isso, essa é uma porta de entrada para outras drogas. As
famílias acham normal jovens tomarem porres. A situação é extremamente
preocupante”, lamenta.
Salgado
defende que a fiscalização da venda de bebidas para menores de idade precisa
ser intensificada. “O sistema nervoso central dos adolescentes é muito imaturo.
Se a percepção do jovem é de que não há perigo ou risco físico ou social, o
hábito se implanta”, afirma. O psiquiatra se preocupa também com as mudanças no
comportamento feminino. Ainda há duas vezes mais homens que abusam do consumo
de álcool do que mulheres. Porém, elas têm bebido mais do que no passado.
“Antes a menina não podia
beber, mas hoje ela bebe tanto quanto ele, mas a biologia dela é menos
resistente”, alerta.
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