sexta-feira, 20 de abril de 2012

Viva a sabedoria...




Tratado do encadeamento das ideias fundamentais nas ciências e na história, de Cournot
A ideia da Natureza é a ideia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime em suas obras um caráter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos fatos observados e que nos coloca no rastro dos fatos a pesquisar. A idéia da natureza, esclarecida assim tanto quanto pode ser, não passa da concentração de todos os clarões que a observação e a razão nos fornecem sobre o conjunto dos fenômenos da vida, sobre o sistema dos seres vivos.






A Filosofia Contemporânea, de Emanuele Severino (sobre O devir e o super-homem)
O pensamento de Nietzsche exprime de um modo radical a diferente atitude que o homem moderno assume face ao devir. A atitude tradicional do homem europeu consiste para Nietzsche na preparação de um remédio e de uma defesa contra a ameaça e o terror do devir. E o sentimento de segurança é o elemento decisivo para a preparação de tal abrigo e defesa. O desejo de segurança produz, de fato, a vontade de verdade, isto é, a vontade de que exista uma ordem verdadeira no mundo que se espelhe nos princípios da metafísica ( ou seja, da epistéme), da moral e do cristianismo.

Contudo, quando a existência se torna menos perigosa e o medo regride, nasce então o prazer da insegurança, da incerteza e da temeridade, que se une à consciência cada vez mais clara de que o remédio foi pior do que o mal. O gigantesco edifício construído pela cultura e pela civilização ocidentais para proteger o homem do caos e da irracionalidade do devir - edifício esse que culmina e se resume no conceito de Deus - acabou, pois, por sobrecarregar a existência do homem, dotando-a de um peso ainda mais insuportável do que aquele que é constituído pela própria ameaça do devir.

Por outro lado, o prazer da insegurança ( a felicidade de constatar incerteza e temeridade em toda a parte) está bem longe de ser uma atitude de massas: apenas os grandes descobridores nela participam e isso requer um novo tipo de humanidade - um superhomem, como diz Nietzsche - que não recue nem procure proteger-se do devir da vida, mas que o aceite incondicionalmente e de forma feliz: é o dizer sim à vida, mesmo nos seus aspectos mais terríveis, obscuros e ásperos, ou seja o prazer da insegurança, que acaba por abarcar o prazer da nossa aniquilação.

Por outras palavras, enquanto o homem - tradicional, o gregário cujas necessidades foram herdadas e expressas pelos filósofos --, face à por da vida, atinge a sua salvação considerando-a como aparência da verdadeira vida que está para além da aparência, já o super-homem sabe que a verdadeira vida é horror e dor e nem por isso se retrai ou foge dela, como tinha proposto Schopenhauer, baseado nas características do budismo, aceitando-a e amando-a alegremente.

A critica que Nietzsche faz a qualquer verdade definitiva e a toda a estrutura permanente e imutável da realidade tem como fundamento, por um lado, a consciência particularmente aguda do pensamento nietzschiano de que cada forma definitiva, permanente e imutável tende a petrificar e a negar a continua inovação e diferenciação do devir.

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